Graças ao generoso convite da Disney, em nome da Searchlight Pictures, o Showmetech esteve presente na pré-estreia do filme no Brasil. Vamos descobrir se The Menu é a versão tenebrosa do Masterchef? Ah, vou deixar a crítica sem spoilers, então podem ler sem medo.

Indícios clássicos

O filme começa sem muitos rodeios, com a protagonista (e possível final girl, para você que é entendido do mundo do terror), Margot Mills (Anya Taylor-Joy), saboreando um cigarro naquela pose clássica de personagem durão com jaqueta de couro encostado na parede. Seu acompanhante, Tyler (Nicholas Hoult), a adverte que fumar pode tirar seu paladar, o que estragaria toda a experiência vindoura d’O Menu. Literalmente, não é uma metáfora com o nome do filme. No caso, ambos estão prestes a embarcar num simpático barco em direção ao Hawthorne, um renomado restaurante liderado pelo carismático — e esdrúxulo — Julian Slowik (Ralph Fiennes), localizado numa ilha particular, portanto, deserta. Bem, se você consome conteúdos de suspense ou é uma pessoa um pouco prudente, sabe que isso por si só é uma bandeira vermelha. Há alguns cortes rápidos em que percebemos Margot olhando para trás, como ao embarcar, neste primeiro momento, e ao ver a porta do restaurante ser fechada, posteriormente. Não só isso, a protagonista parece reconhecer algum dos outros clientes presentes nessa situação inóspita, mas o espectador não tem como saber, por enquanto, de quem se trata. Mudando o foco para o grupo que acompanha a dupla dinâmica, há só a dita elite da sociedade, dado que cada cliente desembolsa mais de mil dólares para estar ali e provar os delírios gastronômicos de Slowik. Dentre eles, convém citar um idoso e sua esposa, três marmanjos que trabalham para o investidor do restaurante, um astro do cinema decadente e sua secretária e, por fim, uma crítica gastronômica e o editor de sua revista. Com todos os ingredientes de O Menu contados e separados, é hora de movimentar um pouco esse caldo.

A temperatura na panela de pressão sobe rápido

O som angustiante e agudo da panela de pressão vai parecer o canto matinal do rouxinol quando você perceber que Tyler, na verdade, é uma espécie de nerd gastronômico. O engravatado tagarela sabe bastante sobre Slowik, conhece as técnicas e ferramentas requintadas usadas por ele e por seus chefs e, acima de tudo, é o clássico palestrinha que qualquer um de nós está fadado a encontrar universidades e empresas afora. Como todo bom prepotente em potencial, ele se desdobra para que Slowik o note, jogando na frente do caminhão, inclusive, Margot. Ela, no que lhe concerne, serve como uma espécie de compasso moral dentro do jogo vigente. Apesar de tomar lados, no fim, o que importa é si mesma, não uma causa (legítima, vale ressaltar) cujas raízes se embrenham num homem potencialmente egocêntrico e perturbado. Em confronto ao desejo de Slowik, Margot é uma cínica profissional cujo trabalho a levou a estar no lugar errado, na hora errada. Como bem explica o chef, ela não fazia parte do plano. E isso está dizendo muito sobre a relação dela com Tyler também, então preste atenção. Sobre esse esquema, há muitas cenas em O Menu em que o espectador pode perceber que esse jantar requintado, na verdade, vai ser uma fonte potente de cólicas abdominais. Se você está investido na experiência, é possível pegar bem rápido o tom que a narrativa vai adquirindo. Um ponto interessante é que isso é construído aos poucos, com alguns relances fugazes da catástrofe anunciada que, claro, não tarda a chegar. Depois do COVID a minha memória parou de trabalhar tão bem, então não me culpem se a frase não for exatamente essa, mas é algo nessa linha de raciocínio. De todo modo, ela serve para ilustrar um pouco a derrocada da sanidade de Slowik, o que é corroborado numa cena mais para o final, em que Margot finalmente descobre o que há por trás de uma certa porta chique. Enfim, os monólogos do chef são recheados de críticas bem diretas ao sistema predatório e consumista no qual estamos inseridos, e nada melhor que usar a gastronomia para ilustrar esse cenário para bilionários em potencial, incapazes de entender e preocupados só com o próprio bolso. Ameaças implícitas aqui, o senso duradouro de que algo está errado ali; assim vai se construindo o clima no Hawthorne e na audiência. Pessoalmente, o que entregou que a noite estava fadada aos corvos foi uma cena específica na qual determinado alimento, considerado quase tão humano quanto os humanos, deixou de ser servido. E não é só em Game of Thrones que essa ausência significa mau agouro; isso os clássicos gregos já nos diziam, seja por meio de Odisseu, seja por meio de Aquiles.

O Menu para ser lembrado

Não por acaso, todos os presentes foram convidados por Slowik, com exceção de Margot, um enigma (e obstáculo) surgido de última hora. Dessa forma, o chef reconhece nela uma potencial aliada, o que pode ser ótimo ou péssimo, ainda mais ao considerarmos que essa figura imponente é, por falta de descrição mais precisa em termos psiquiátricos, completamente insana. Os motivos são bem óbvios, você não precisa ser um Hegel para interpretar o objetivo de Slowik, mas o que dá sabor a essa busca é justamente esse contraste da falta de sanidade de um suposto benfeitor. Além da óbvia luta de classes, há um golpe mais contundente quando o espectador descobre, ainda que brevemente, o passado do chef. Essa revelação, em acordo às cenas entre ele e Margot, toca numa reflexão um pouco mais profunda que diz respeito à monetização obrigatória dos nossos anseios e aspirações. Isso, sem dúvidas, ressoará mais com aqueles ligados ao mundo artístico, no qual a eterna batalha entre hobby e trabalho é travada. Por isso, o chefe levemente perturbado de O Menu deseja criar, bem, o menu emblemático, quase como uma ode à sua figura pregressa que, como vemos, conseguia sorrir. Claro, existem partes capengas no roteiro também, como a presença da mão-direita do antagonista (ou protagonista? Depende de quem responde) e o confronto dela com Margot, bem como a senhora completamente bêbada que passa o filme inteiro no canto do restaurante. Descobrir quem essa mulher é não fez literalmente nenhuma diferença em qualquer momento, então fica o questionamento dessa irregularidade aleatória.

Conclusão

IMDB: 7,6 | Rotten Tomatoes: 90% O Menu ou The Menu é uma obra bastante interessante, ainda que seus questionamentos não sejam novos. A tensão crescente no primeiro terço do filme, sua subsequente exploração na metade e a conclusão casam muito bem, mesmo que existam momentos de incerteza quanto à narrativa, como ambos explicados acima ou ainda como a cena da “perseguição”. De todo modo, o longa-metragem promete guardar seu espaço na mesa de jantar e é um forte concorrente para melhor filme de terror do ano, mesmo que esse pedaço achocolatado de terror seja visto só na metade final. O humor ácido presente é cuidadosamente dosado pelos roteiristas, que constroem uma obra muito convidativa. Você pode assistir ao trailer de O Menu abaixo. Veja mais Gostou de O Menu? Quer ler mais críticas nossas? Confere a do filme Mundo Estranho, da Disney!

O Menu   um banquete para os olhos e um deleite para o g nero - 96O Menu   um banquete para os olhos e um deleite para o g nero - 6O Menu   um banquete para os olhos e um deleite para o g nero - 18O Menu   um banquete para os olhos e um deleite para o g nero - 7


title: “O Menu Um Banquete Para Os Olhos E Um Deleite Para O G Nero” ShowToc: true date: “2022-12-01” author: “Pedro Tade”


Graças ao generoso convite da Disney, em nome da Searchlight Pictures, o Showmetech esteve presente na pré-estreia do filme no Brasil. Vamos descobrir se The Menu é a versão tenebrosa do Masterchef? Ah, vou deixar a crítica sem spoilers, então podem ler sem medo.

Indícios clássicos

O filme começa sem muitos rodeios, com a protagonista (e possível final girl, para você que é entendido do mundo do terror), Margot Mills (Anya Taylor-Joy), saboreando um cigarro naquela pose clássica de personagem durão com jaqueta de couro encostado na parede. Seu acompanhante, Tyler (Nicholas Hoult), a adverte que fumar pode tirar seu paladar, o que estragaria toda a experiência vindoura d’O Menu. Literalmente, não é uma metáfora com o nome do filme. No caso, ambos estão prestes a embarcar num simpático barco em direção ao Hawthorne, um renomado restaurante liderado pelo carismático — e esdrúxulo — Julian Slowik (Ralph Fiennes), localizado numa ilha particular, portanto, deserta. Bem, se você consome conteúdos de suspense ou é uma pessoa um pouco prudente, sabe que isso por si só é uma bandeira vermelha. Há alguns cortes rápidos em que percebemos Margot olhando para trás, como ao embarcar, neste primeiro momento, e ao ver a porta do restaurante ser fechada, posteriormente. Não só isso, a protagonista parece reconhecer algum dos outros clientes presentes nessa situação inóspita, mas o espectador não tem como saber, por enquanto, de quem se trata. Mudando o foco para o grupo que acompanha a dupla dinâmica, há só a dita elite da sociedade, dado que cada cliente desembolsa mais de mil dólares para estar ali e provar os delírios gastronômicos de Slowik. Dentre eles, convém citar um idoso e sua esposa, três marmanjos que trabalham para o investidor do restaurante, um astro do cinema decadente e sua secretária e, por fim, uma crítica gastronômica e o editor de sua revista. Com todos os ingredientes de O Menu contados e separados, é hora de movimentar um pouco esse caldo.

A temperatura na panela de pressão sobe rápido

O som angustiante e agudo da panela de pressão vai parecer o canto matinal do rouxinol quando você perceber que Tyler, na verdade, é uma espécie de nerd gastronômico. O engravatado tagarela sabe bastante sobre Slowik, conhece as técnicas e ferramentas requintadas usadas por ele e por seus chefs e, acima de tudo, é o clássico palestrinha que qualquer um de nós está fadado a encontrar universidades e empresas afora. Como todo bom prepotente em potencial, ele se desdobra para que Slowik o note, jogando na frente do caminhão, inclusive, Margot. Ela, no que lhe concerne, serve como uma espécie de compasso moral dentro do jogo vigente. Apesar de tomar lados, no fim, o que importa é si mesma, não uma causa (legítima, vale ressaltar) cujas raízes se embrenham num homem potencialmente egocêntrico e perturbado. Em confronto ao desejo de Slowik, Margot é uma cínica profissional cujo trabalho a levou a estar no lugar errado, na hora errada. Como bem explica o chef, ela não fazia parte do plano. E isso está dizendo muito sobre a relação dela com Tyler também, então preste atenção. Sobre esse esquema, há muitas cenas em O Menu em que o espectador pode perceber que esse jantar requintado, na verdade, vai ser uma fonte potente de cólicas abdominais. Se você está investido na experiência, é possível pegar bem rápido o tom que a narrativa vai adquirindo. Um ponto interessante é que isso é construído aos poucos, com alguns relances fugazes da catástrofe anunciada que, claro, não tarda a chegar. Depois do COVID a minha memória parou de trabalhar tão bem, então não me culpem se a frase não for exatamente essa, mas é algo nessa linha de raciocínio. De todo modo, ela serve para ilustrar um pouco a derrocada da sanidade de Slowik, o que é corroborado numa cena mais para o final, em que Margot finalmente descobre o que há por trás de uma certa porta chique. Enfim, os monólogos do chef são recheados de críticas bem diretas ao sistema predatório e consumista no qual estamos inseridos, e nada melhor que usar a gastronomia para ilustrar esse cenário para bilionários em potencial, incapazes de entender e preocupados só com o próprio bolso. Ameaças implícitas aqui, o senso duradouro de que algo está errado ali; assim vai se construindo o clima no Hawthorne e na audiência. Pessoalmente, o que entregou que a noite estava fadada aos corvos foi uma cena específica na qual determinado alimento, considerado quase tão humano quanto os humanos, deixou de ser servido. E não é só em Game of Thrones que essa ausência significa mau agouro; isso os clássicos gregos já nos diziam, seja por meio de Odisseu, seja por meio de Aquiles.

O Menu para ser lembrado

Não por acaso, todos os presentes foram convidados por Slowik, com exceção de Margot, um enigma (e obstáculo) surgido de última hora. Dessa forma, o chef reconhece nela uma potencial aliada, o que pode ser ótimo ou péssimo, ainda mais ao considerarmos que essa figura imponente é, por falta de descrição mais precisa em termos psiquiátricos, completamente insana. Os motivos são bem óbvios, você não precisa ser um Hegel para interpretar o objetivo de Slowik, mas o que dá sabor a essa busca é justamente esse contraste da falta de sanidade de um suposto benfeitor. Além da óbvia luta de classes, há um golpe mais contundente quando o espectador descobre, ainda que brevemente, o passado do chef. Essa revelação, em acordo às cenas entre ele e Margot, toca numa reflexão um pouco mais profunda que diz respeito à monetização obrigatória dos nossos anseios e aspirações. Isso, sem dúvidas, ressoará mais com aqueles ligados ao mundo artístico, no qual a eterna batalha entre hobby e trabalho é travada. Por isso, o chefe levemente perturbado de O Menu deseja criar, bem, o menu emblemático, quase como uma ode à sua figura pregressa que, como vemos, conseguia sorrir. Claro, existem partes capengas no roteiro também, como a presença da mão-direita do antagonista (ou protagonista? Depende de quem responde) e o confronto dela com Margot, bem como a senhora completamente bêbada que passa o filme inteiro no canto do restaurante. Descobrir quem essa mulher é não fez literalmente nenhuma diferença em qualquer momento, então fica o questionamento dessa irregularidade aleatória.

Conclusão

IMDB: 7,6 | Rotten Tomatoes: 90% O Menu ou The Menu é uma obra bastante interessante, ainda que seus questionamentos não sejam novos. A tensão crescente no primeiro terço do filme, sua subsequente exploração na metade e a conclusão casam muito bem, mesmo que existam momentos de incerteza quanto à narrativa, como ambos explicados acima ou ainda como a cena da “perseguição”. De todo modo, o longa-metragem promete guardar seu espaço na mesa de jantar e é um forte concorrente para melhor filme de terror do ano, mesmo que esse pedaço achocolatado de terror seja visto só na metade final. O humor ácido presente é cuidadosamente dosado pelos roteiristas, que constroem uma obra muito convidativa. Você pode assistir ao trailer de O Menu abaixo. Veja mais Gostou de O Menu? Quer ler mais críticas nossas? Confere a do filme Mundo Estranho, da Disney!

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